Platão e a expulsão dos poetas

Tradução, por Victor Gonçalves, do artigo de Frédéric Manzini, «Platon, chasseur de poètes?» publicado a 2 de julho de 2025 na revista Philosophie magazine.

Qual é o lugar dos artistas na sociedade? São essenciais ou marginais? Reler Platão sobre este tema é desconcertante: extremista, o filósofo quer excluir os poetas da sua Cidade ideal. Faz disso mesmo a sua prioridade. Medida digna dos regimes mais totalitários ou projeto político destinado a preservar a juventude destes «influenciadores» antes do tempo?

Quando se pergunta aos candidatos à eleição presidencial qual seria a primeira medida que tomariam se fossem eleitos, é raro que a resposta tenha que ver com poetas. No entanto, é isso que Platão faz na República, antes mesmo de esboçar os princípios fundadores da sua Cidade ideal, ou seja, do vasto projeto de reorganização política que empreende. Mas por que atacar poetas inofensivos em vez de criminosos ou ladrões? De que podem eles ser culpados, senão de escrever maus versos? E haverá realmente urgência em começar por querer expulsá-los, quando há toda uma organização política a repensar e uma sociedade a construir?

Que vão cantar para outro lado!
Para compreender melhor o que levou Platão
a adotar uma posição tão severa no seu diálogo A República, é indispensável situar-se no contexto geral desta obra. A questão do lugar dos poetas parece suficientemente importante para ser abordada de forma recorrente: é mencionada pela primeira vez no livro II, depois mais longamente no livro III e, finalmente, no último livro, o livro X. Isso mostra a importância que ela tem para o filósofo!

Após um livro I dedicado a trocas entre Sócrates e alguns interlocutores sobre certas ideias recebidas acerca da natureza da justiça e da vida individual bem-sucedida, Platão começa, de facto, a atacar os poetas no livro II, antes mesmo de a discussão sobre a justiça ser transposta para uma escala maior, ou seja, para o nível político, como será na maior parte do que se segue. O seu interlocutor é então um certo Adimanto... de quem não se sabe muito, exceto que é provavelmente um dos irmãos de Platão! A situação é, portanto, no mínimo perturbadora, uma vez que o filósofo relata um diálogo entre o seu mestre e o seu próprio irmão, como se ele próprio estivesse dividido em dois. Seja como for, Sócrates explica a Adimanto que os poetas são prejudiciais quando dão uma imagem deplorável e enganosa dos deuses e fazem crer que é possível ser feliz sendo injusto e comportando-se mal: por exemplo, «que os deuses guerreiam entre si, que armam ciladas, que lutam — nada disso é verdade», lamenta ele. «Contar que Hera foi acorrentada pelo seu filho, que Hefesto foi atirado num precipício pelo seu pai porque quis proteger a sua mãe agredida, e todas essas lutas entre deuses que Homero colocou nos seus poemas, isso não deve ser admitido na cidade, tenham esses poemas sido compostos ou não com uma intenção alegórica» (República, II, 378b-d).

Um desafio para a política educativa
Não é o facto de a poesia recorrer à ficção
que Platão condena, mas o tipo de histórias que ela conta. A diferença entre as que são enunciadas de forma poética ou metafórica — o que ele chama de «intenção alegórica» — e os discursos que procuram expressamente dizer a verdade (conforme à realidade) parece secundária. É bom recordar que o próprio Platão recorre de bom grado aos mitos. Na juventude, dizem, compôs ditirambos, versos líricos, tragédias e, mesmo que o seu encontro com Sócrates tenha posto fim à vocação poética, a qualidade literária da sua escrita é absolutamente notável, cheia de estilo e rica em imagens, a ponto de ser erigida em modelo por todos os professores de língua grega ainda hoje. Platão é o mais poético dos filósofos.

Mas antes de ser poeta, ele é filósofo e legislador, e sua luta não se situa no campo estético, mas inteiramente no campo educativo e político. A desconfiança que manifesta em relação aos poetas obedece, em primeiro lugar, a um desejo de proteger as crianças da pressão que eles exercem sobre elas, conscientemente ou não, quando divulgam preconceitos — por exemplo, sobre os deuses. Ao refletir sobre a forma como se deve educar a juventude, Platão teme a influência nefasta que os poetas podem exercer sobre as almas mais vulneráveis ou influenciáveis. Ao ponto de instituir uma forma de censura? Sim, porque a educação é um assunto demasiado sério para ser confiado, sem controlo, aos artistas, nem eles próprios medem as consequências políticas da sua arte! É preciso compreender que, na Atenas de Platão, era através da convivência com os poetas que os mais jovens se formavam. A «poesia» em questão é, em primeiro lugar, muito mais do que aquilo a que hoje chamamos, em sentido estrito, «poesia», como confirmam os exemplos dos poetas que ele menciona na República: Homero, Hesíodo, Ésquilo, Píndaro... É todo o teatro e toda a literatura que o termo abrange. Todos eles detêm uma espécie de soft power que pode parecer inofensivo, mas que, aos olhos do filósofo, é formidável. «Começamos por contar histórias às crianças», escreve ele, acrescentando que «em qualquer tarefa, o mais importante é o começo».

O poder subversivo da arte
Os bons poetas são bons educadores?
Nada é menos certo, pois a sua preocupação é agradar e emocionar, e não instruir ou tornar melhor. Será que eles se preocupam minimamente com o bem? Terão pensado no significado do que representam? Quando os mitos, lendas e outros relatos das proezas de heróis e deuses os mostram como indivíduos impulsivos, egoístas, vingativos – ou seja, feios e viciosos –, os poetas erigem-nos em modelos de maus exemplos. O episódio da fúria de Aquiles, na Ilíada, valoriza assim a raiva e pode levar a crer que se trata de um sentimento legítimo e nobre: aos olhos de Platão, Homero não é, portanto, recomendável. O talento dos poetas não está em causa, pelo contrário. Quanto mais talentosos, mais perigosos são e mais poderoso será o efeito que podem ter sobre as almas influenciáveis que se identificam facilmente com as personagens de ficção que lhes são apresentadas. O prazer que proporcionam é ainda mais indigno e pernicioso, pois habitua os jovens a ceder às paixões, não os preparando para serem adultos e cidadãos virtuosos.

Platão teme, de facto, que o imaginário criado pelos poetas veicule valores contra os quais será difícil lutar, como uma doutrinação que talvez seja impossível desfazer quando esses valores entrem em conflito com aqueles filósofos no poder considerem bons. Quem, hoje, criticaria o governo por fazer o que está ao seu alcance para impedir que as crianças sejam expostas à violência, à pornografia, a discursos ou ações sexistas e racistas? Noutras palavras, por legislar para bloquear o acesso a determinados programas de televisão, sites ou redes sociais? É da mesma forma, como defensor das crianças em perigo, que Platão intervém: expulsar um certo número de poetas da Cidade parece-lhe ser o meio de erradicar o mal — ou mesmo a simples possibilidade do mal — pela raiz, antes que ele tenha a oportunidade de se instalar na mente dos futuros cidadãos.

Compreende-se melhor que o filósofo considere este assunto prioritário e que opte por abordá-lo no momento preciso em que se prepara para lançar as bases do seu novo Estado. Como dar bases sólidas a uma sociedade se o espírito corrupto dos seus membros não tem gosto pelo belo, pelo verdadeiro, pelo bem? Muito crítico em relação ao funcionamento de Atenas tal como a conhece, Platão considera que ela precisa de medidas fortes. Repensa todo o currículo educativo e reforma toda a política cultural, ordenando-a pela lei da razão e colocando, assim, a «educação artística e cultural», como agora se diria, sob uma vigilância muito estreita. Vinte séculos mais tarde, Rousseau será animado por uma preocupação semelhante em Émile, o seu tratado de pedagogia que redefine a educação a partir do zero: aí qualificará a leitura como «flagelo», fará esperar o aluno até os doze anos antes de lhe dar livros e desaconselhará até mesmo uma fábula como «O Corvo e a Raposa», de La Fontaine, porque a moral que ela contém é profundamente cínica, valoriza o sucesso da duplicidade e apresenta como modelo um mentiroso. Tudo isso não é adequado para crianças, mas apenas — e eventualmente — para mentes mais maduras, mais experientes e suficientemente críticas para compreender os diferentes níveis de significado e distinguir o que é importante do que não é. Deveria ser proibido para menores de dezasseis anos!

Poetas censurados, poetas autorizados
Cabe ao legislador
dotar-se dos meios para preservar os futuros cidadãos de qualquer forma de corrupção moral e afastá-los de maus educadores – atualmente, falaríamos de influenciadores tóxicos. Uma vez que não é possível afastar as crianças da cidade, a solução menos má consiste, portanto, em mandar embora os poetas. É claro que se pode argumentar que não era necessário chegar ao ponto de exilar os poetas e que bastaria regulamentar a sua prática por meio de algumas leis bem direcionadas. Por que levar a radicalidade ao ponto de exigir a sua partida? Será porque os respeita demais para lhes pedir que se submetam e obedeçam ao Estado? Não exatamente, e é a este ponto que o livro III volta. O diálogo, novamente entre Sócrates e Adimanto, evoca a formação daqueles que são chamados «guardas», que têm a vocação de se tornar a futura elite intelectual, física e moral dos cidadãos e, portanto, de desempenhar um papel crucial na nova Cidade. O que aconteceria se a poesia conseguisse seduzi-los, ou seja, desviá-los do seu caminho correto, se os colocasse num estado de transe, fora de si mesmos, onde já não se controlariam? A sociedade como um todo estaria em perigo. Os guardiões devem ser apenas guardiões, inteiramente dedicados a essa função, explica Platão, da mesma forma que os sapateiros devem ser sapateiros; os camponeses, autênticos camponeses e os soldados, verdadeiros soldados: cada um cumprindo precisamente o seu dever ao serviço da comunidade. Com o seu domínio da imitação e do jogo, os poetas são certamente artistas transformistas com um talento extraordinário, mas não têm um lugar fixo na Cidade, e o filósofo conclui que é imperativo que exerçam a sua arte noutro lugar. Trata-se de uma forma de censura? Os poetas excluídos são, como diríamos hoje, «cancelados»? Cuidado com o anacronismo, pois Platão insiste, ao mesmo tempo, que eles devem ser venerados e glorificados: é apenas no plano político que os condena, sem que isso diminua em nada a estima que tem por eles!

No entanto, nem todos os poetas serão expulsos, mas apenas uma parte. Serão bem-vindos e autorizados a permanecer aqueles que, embora «menos agradáveis», produzirem obras consideradas «úteis», ou seja, aqueles que imitam o discurso dos homens virtuosos. O leitor de A República é então tomado por uma dúvida: não haverá o risco de se chegar a uma arte moralizante e ingénua, onde os «bons» triunfam sempre no final, como nas histórias simples, previsíveis e padronizadas que hoje se servem às crianças? A um resultado servil como era a arte soviética, supostamente realista e conforme aos princípios da ideologia estalinista? A menos que Platão esteja aqui a evocar a sua própria prática, na medida em que os textos que escreve, sem procurar a poesia por si mesma, são reproduções das palavras de Sócrates redigidas com um objetivo educativo e edificante...

A ambiguidade de Sócrates e o antídoto para os happy few
O princípio da «rejeição absoluta da parte da poesia que é imitativa»
é reiterado com veemência no início do livro X, o último da República, no qual Sócrates critica repetidamente Homero, embora confesse que sente por ele uma afeição tão profunda e um respeito tão grande que lhe custa expressar-se livremente. Mas os factos estão aí: na prática, Homero foi de alguma ajuda para os legisladores? Ele «foi realmente capaz de formar homens e torná-los melhores»? É preciso reconhecer que, apesar da sua aparência maravilhosa, a sua poesia não é virtuosa e que «o mal que ela pode causar às pessoas de valor – e apenas um pequeno número é exceção – [...] é, por assim dizer, o mais terrível». Esta fórmula é intrigante: é possível resistir à influência negativa da poesia? Platão evoca, de facto, a existência de um certo «antídoto» (595b) que não é outra coisa senão «o conhecimento do que as coisas realmente são». Por outras palavras, e no contexto platónico, é preciso já ser filósofo e saber distinguir bem a realidade da ficção para poder apreciar a poesia como se deve e sem risco de danos!

Com tal elitismo, a conceção de Platão está nos antípodas dos nossos ideais democráticos atuais, que promovem a acessibilidade da arte para todos, incluindo o público jovem, com o objetivo de despertar a sua sensibilidade. O mesmo se aplica à sua decisão de banir os poetas, o que é desconcertante do ponto de vista de uma sociedade como a nossa, que promove a abertura, a tolerância e a criatividade artística. Sacrificando a arte à política e à moral, Platão prefere tratar todos os cidadãos como crianças imaturas e protegê-los contra qualquer forma de subversão que possa prejudicar o desenvolvimento da sua racionalidade, que corresponde à sua parte nobre, destinada a comandar a parte sensível. É legítimo questionar, no entanto, se o remédio que propõe não é pior do que o mal e se a exclusão da Cidade não é também o reconhecimento de um fracasso em fazer coexistir, ou mesmo dialogar, diferentes faculdades dentro da alma.

Os poetas e os artistas não dão também a pensar, despertam o gosto pelo belo, não são guias no caminho do bem, como Homero foi para Sócrates? E quem aceitaria viver numa sociedade que só admitisse como poetas funcionários públicos ao serviço de um discurso moralista e de sentido único? Ao querer monopolizar o pensamento e governar tudo na sua Cidade, Platão corre o risco de ficar sozinho.

O mundo dentro

Ilustração de Yiannis Kotinopoulos

Tradução de Tatiana Faia

Ontem foi o dia
Em que me esqueci de regar as flores e deixei
Que a roupa suja imaginasse
Uma nova cor na minha fonte. 

Não posso dizer ao certo se foi
No princípio ou no fim da semana
Embora me tenham ensinado a diferença
Entre os dias e a importância
De te ligares cuidadosamente ao presente
Com fios impalpáveis. Mas deixei
O pão no forno e ainda não havia
Ninguém que eu conhecesse nas urgências
Não me bateram de súbito à porta, só ramos
Da árvore no quintal intrometendo-se pela janela
E um cheiro a queimado comestível para ninguém. 

Havia um mundo dentro da minha casa como um espinho
Cravado na pata da raposa
Ganindo, coçando-se, chorando, arranhando, e por
Causa do mundo esqueci-me de mim
E lambi o mundo na minha carne
Duramente com uma língua dura tentando
Não deixar o seu fluxo de xarope exalar-se.


The world within

Yesterday was the day
I forgot to water the pots and I let
The laundry clothes imagine
A new color in my fountain.

I can’t say for sure if it was
The beginning or the ending of the week
Though I have been taught the difference
Between days and how important it is
To attach yourself carefully to the present
With impalpable threads. But I left
The bread in the oven and still there was
No one I knew in the emergency room
No sudden knocks on my door, only branches
From the backyard tree intruding through the window
And a burnt smell nobody could eat.

There was a world inside my house like a thorn
That is stuck in the paw of the fox
Whining, itching, crying, scratching, and for
The world’s sake I forgot myself
And I licked the world in my flesh
Hard with a hard tongue trying
Never to let its syrupy flow exude.

Uma questão de sobrevivência: a propósito de um poema de Yiorgos Seferis e outro de Alexandre O’Neill

Este é um pequeno texto sobre dois poemas acerca de dois pequenos países como fonte de dor. Um dos poemas foi escrito em 1936, pelo poeta grego Yiorgos Seferis, e o outro em 1958 pelo poeta português Alexandre O’Neill. Nenhum deles foi leitor do outro. Comecemos com outro exemplo. Em A Beleza do Marido, Anne Carson, que é muito provavelmente leitora de Yiorgos Seferis mas nunca ouviu falar de Alexandre O’Neill, começa o seu livro com a imagem de uma ferida: “Uma ferida exala a sua própria luz/ dizem os cirurgiões./ Se todos os candeeiros nesta casa fossem desligados,/ seria possível fazer o penso a esta ferida/ com o que brilha a partir dela.” Estes versos são precedidos pelo título longo e peculiar desse primeiro poema: “Dedico este livro a Keats (foste tu quem me disse que Keats era médico?) porque uma dedicação tem de conter uma falha se um livro é para permanecer livre e para a sua rendição geral à beleza.” Quando estava a traduzir este livro, em 2019, assumi que esta expressão sobre ferida e luz era idiomática e que devia ter um exacto equivalente em português. Perguntei à minha irmã e ao seu companheiro, ela enfermeira numa unidade de cuidados intensivos de oncologia na altura e ele um médico de clínica geral agora no internato de cirurgia, e nem um nem outro ouvira falar de tal expressão. Mas ambos concordaram que teria algo a ver com o modo peculiar como a luz incide sobre uma ferida num campo operatório, e com um certo sentimento de empatia para com os doentes, algo que ver com o modo como as feridas contam histórias.

2. Em 1936, Yiorgos Seferis já sabia qualquer coisa sobre poemas enquanto instrumentos cirúrgicos. Já tinha escrito, no ano anterior, o seu ciclo de poemas mais famoso, Mythistorema, o The Waste Land da literatura grega: é na terceira secção desse poema que ele fala da relação muito peculiar da literatura grega da sua época com a literatura clássica. Ele representa a tradição como uma cabeça de mármore que repousa sobre o colo do narrador, que não sabe onde a pousar. Surrealismo e literalidade eram, muitas vezes, o método de Yiorgos Seferis. O método ficou cristalizado em Mythistorema. Em 1936, Seferis escreveria um dos seus poemas mais famosos, “À Maneira de Y.S.” Este é o único poema que Seferis escreveu “à maneira de,” mas o Y.S. não é outro poeta, é Yiorgos Seferis.

Um dos grande críticos de literatura grega moderna do século XX, Yiorgos Savidis, num artigo intitulado “The tragic visions of Seferis” definiu suncitamente o contexto político em que este poema apareceu: “O poema foi escrito em 1936, depois de Mythistorema (ao qual alude) e pouco antes do começo da evitável ditadura de Metaxas.” Savidis pensa que o título contém um traço de auto-paródia e cita Seferis, que terá dito: “Não há nada de engraçado no que estou a tentar dizer... mas, pelo amor de deus, porque é que eles não sentem que o tentei dizer de forma engraçada?”

Há algum tempo que ando a pensar na função da auto-paródia neste poema. O poema abre com um dos versos mais famosas de toda a literatura grega moderna: Opou kai na taksidepso I Ellada me pligoni. “Para onde quer que viaje, a Grécia fere-me.” Savidis, que conheceu bem Seferis, diz que ele não era nem “pessimista nem lacrimejante” mas que lhe agradava “ter uma visão trágica própria.” Se um poema sobre uma ferida é sobre o modo como ela exala a sua própria luz, a que há para ser encontrada em “À maneira de Y.S.” deriva da tensão entre o impulso para a auto-paródia e a resonância da tragédia grega antiga. O poema olha para a sociedade, sobretudo a ateniense, da época como teatro. O título acrescenta um tom auto-depreciativo que minimiza o estilo mais elevado que vem das referências a mitos gregos trágicos. Vale a pena citar aqui o núcleo mítico do poema, que é a segunda estrofe:

Para onde quer que viaje, a Grécia fere-me.

Em Pélion entre os castanheiros a camisa do Centauro
caiu por entre as folhas para se enrolar em redor do meu corpo
enquanto subia a encosta o mar perseguiu-me
subindo ele também como mercúrio num termómetro
até que encontrámos as águas da montanha.
Em Santorini tocando ilhas que se afundavam
ouvindo uma flauta tocar algures na pedra-pomes
a minha mão pregou-se à amurada
por uma seta subitamente disparada
dos confins de uma juventude desaparecida.
Em Micenas ergui as grandes pedras e os tesouros dos Atridas
e dormi com eles no hotel “Bela Helena do Menelau”
só de madrugada desapareceram quando Cassandra gritou
um galo pendendo da sua negra garganta.
Em Spetses, Poros e Míconos
deixaram-me doente as barcarolas.

A única imagem em todo o poema que não é inteiramente sobre uma ferida metafórica é aquela imagem da mão, perfurada por uma seta que uma mão invisível dispara dos confins de uma juventude perdida. Quando li pela primeira vez o poema, a teia de mitos homéricos, tal como adaptados por Ésquilo na Oresteia, um ciclo trágico muito caro ao pensamento ético e político de Seferis, é imediatamente reconhecível. Também é fácil de reconhecer a alusão à túnica do centauro Nesso, que se colou ao corpo de Héracles, matando-o em As Traquínias. Mas esta seta talvez não seja esse tipo de seta mítica. A juventude de Seferis foi uma juventude difícil. Marcada por muita errância, por períodos extensos de estudo em França e em Inglaterra, e pela Catástrofe da Ásia Menor, em 1922, por uma relação difícil com o pai, e por um regresso a Atenas meio à deriva, para um trabalho que ele não queria. Sob a ditadura de Metaxas, daria por si brevemente, e enquanto funcionário público que depois passaria mais tarde a uma carreira diplomática, a trabalhar no equivalente ao ministério da propaganda, um período infeliz que se alongou até ao início da Segunda Guerra. A vertigem de febre que é evocada pelo verbo que eu traduzo por “deixaram-me doente,” χτικιασαν (um verbo difícil de traduzir, pode querer dizer “estar doente” no sentido de estar cansado, farto, mas também quer dizer “sofrer de tuberculose”), pode ser metafórica, mas tem decididamente qualquer coisa de biográfico. Esta seta, no entanto, que vem dos confins de lugar nenhum, liga-se a todas as referências homéricas que vêm a seguir. É uma seta que me faz pensar em todas as setas disparadas nos mitos homéricos: as que Apolo dispara quando é o protagonista de um dos símiles mais belos, e mais letais, da Ilíada, aquele em que o poeta o descreve descendo sobre o exército grego como a noite no Livro 1, para disparar as setas que espalham a peste, há as setas de Filoctetes, que hão-de ajudar a destruir Tróia, Filoctetes ele próprio vítima de uma ferida infecciosa, que o ostraciza do exército grego. E, finalmente, as setas dos dois arqueiros homéricos, que são também as duas personagens em Homero mais capazes de ambiguidade moral, Páris e Ulisses. É uma seta disparada por Páris que matará Aquiles e é com o seu arco e flechas que Ulisses mata os pretendentes dentro da sua própria casa, no banho de sangue do fim da Odisseia.

Esta seta, que é disparada dos confins de uma juventude perdida, podia vir carregada com a ressonância de qualquer uma das setas homéricas, mas o que é certo é que deixa o narrador pregado num ponto fixo. As barcarolas, que deixam o narrador doente, são as primeiras de uma linha de embarcações problemáticas neste poema. Os barcos são uma fonte de loucura colectiva em “À maneira de Y.S.” (há nas últimas estrofes aqueles que se afogam tentando nadar atrás de um grande navio e aqueles que se cansam esperando por navios que não hão-de zarpar dos portos). (Barcos de resto, têm uma longa tradição poética que se fixa no modernismo, de Rimbaud a Pessoa, a Montale, a Rilke (veja-se a este propósito o livro de Michael Hofmann, Messing About in Boats).)

Cenários sociais são observados através da lente de uma lucidez afiada e amarga: “Entretanto a Grécia viaja,/ e não sabemos de nada, não sabemos que somos marinheiros que ficaram sem trabalho,/ não conhecemos a amargura do porto quando todos os navios partiram;/ escarnecemos dos que sabem.// Estranha gente que dizem que estão na Ática/ mas não estão em parte nenhuma...” Seferis usa neste poema imagens que exploram, e vão para lá, de um sentido de deslocamento interno num período severamente marcado por migrações de refugiados na história da Grécia, os que viviam na Ásia Menor e que de lá vieram depois da derrota na Guerra Turco-Grega de 1919-22, que resultou numa troca de populações. A própria família de Seferis era oriunda de Esmirna. Os mitos de que este poema mais fala são os da Guerra de Tróia. Há uma citação directa de um verso do Agamémnon de Ésquilo “e se vemos “o Egeu florescer com cadáveres.” Esse é um verso proferido pelo mensageiro para descrever o naufrágio dos navios de Menelau no seu regresso de Tróia. A última imagem que pertence à semântica da doença vem nos versos finais do poema “Para onde quer que viaje a Grécia fere-me,/ cortinas de montanhas arquipélagos granito despojado.../ Chamam ao único navio que viaja AG ONIA 937.” O local onde o poema foi escrito também está anotado, “A bordo do Áulide.” Áulide é, segundo Homero, e mais tarde na versão de Eurípides, o nome do local de onde os Gregos partem para Tróia e é onde Agamémnon mata Ifigénia, que é motivo por que ele é morto no regresso pela sua mulher, Clitemnestra, num crescendo de violência que só termina com o julgamento de Orestes, que adoece de loucura por causa das Fúrias, porque tem de vingar o crime do assassinato do pai matando a mãe, e com a sua absolvição, que encerra o ciclo de violência com aquele que é o mito da origem de uma instituição ateniense, o tribunal do Areópago. Os mitos que dão estrutura à Oresteia estão entre os mais opressivos dos mitos gregos, falam de uma epidemia de violência ancestral que pesa sobre a casa dos Atridas. Se “À maneira de Y.S.”  tenta dar um diagnóstico para uma ferida e para o modo como a sua dor se manifesta, também podemos dizer que na sua narrativa de indiferença social – vale a pena mencionar a piada política no curto diálogo de duas personagens em Atenas, em que uma personagem pergunta a outra, na afectada língua artificial e conservadora que era a norma oficial do katarrevousa, se um vem da Praça Omónia (da Harmonia) e o outro responde que não, que vem da Praça Syntagma (da Constituição) – o poema tenta falar de uma forma de doença colectiva. Perguntar que tipo de luz uma ferida dá é uma forma de entender o seu significado e a sua dimensão. Sempre que leio “À maneira de Y.S.” lembro-me de uma coisa que Jean-Paul Sartre escreveu em 1961, no seu prefácio a Os Condenados da Terra  de Frantz Fanon: “Quando Fanon diz, pelo contrário, que a Europa caminha em direcção ao desastre, longe de isto ser um grito de alarme, ele está a oferecer um diagnóstico.”

3. Em 1958, Alexandre O’Neill tinha 34 anos e publicava um dos seus poemas mais famosos, “Um adeus português.” É um poema onde não se fala de dor, mas três imagens ficaram-me facilmente na memória: a da angústia no olhar no início, desses olhos que são a princípio descritos como “altamente perigosos,” a da “pata ensanguentada que vacila/ quase medita/ e avança mugindo pelo túnel/ de uma velha dor” e aquela imagem de uma pequena dor à portuguesa, “tão mansa” que é “quase vegetal.”

Às vezes releio esse poema, e penso que O’Neill não estava interessado em história da Europa, ou em oferecer qualquer tipo de diagnóstico quanto ao contexto político em que estava a viver, pelo menos não directamente. Acho que onde o poema de Seferis tem qualquer coisa da articulação desesperada, mas lógica, de um diagnóstico, de uma explicação, o de O’Neill não aceita explicações, é um poema que avança ferozmente através de descrições de rigidez e imobilidade. Fecha-se na sua propria dor e dispensa-se de explicar qualquer coisa que não seja a descrição e a denúncia da corrupção moral que era a do regime totalitário sob o qual O’Neill estava a viver. Onde o poema de Seferis procura uma tradição, de resto apropriada até à náusea pelo regime de Metaxas, numa tentativa de a reclamar de volta, o de O’Neill recusa genealogias literárias. É imediato e directo como se um poema pudesse existir sem família poética, como se a ausência dessas ressonâncias fosse uma recusa, uma maneira de falar sem artifício de uma solidão absoluta e de uma perda absoluta. A genealogia cultural verdadeiramente óbvia deste poema pertence a imagens que remetem para descrições de tortura medieval (a roda, em que se gira e se apodrece). Em 1985 em Uma coisa em forma de assim, O’Neill falaria das origens biográficas do poema, de Nora Mitrani, da oposição de alguém na sua família a que ele partisse para Paris, de ser detido e interrogado pela PIDE, e de ter durante anos o passaporte negado. Ultimamente, quando penso em passaportes, penso em O’Neill. Penso numa frase desse texto que ele escreveu em 1985, que se chama “A história de um poema, em que ele diz: ” “Claro que um poema não é feito de nojos, desesperos e derrames sentimentais, mas, no caso, a felicidade de expressão foi vivamente alimentada por uma raiva e um amor desmesurados, quer dizer, adolescentes.”

 

Reparo que tanto o poema de Seferis como o de O’Neill lidam com a imobilidade, que é o contrário da liberdade, reparo como falam de uma fixidez imbecil que traz com ela a infelicidade. São dois poemas que não oferecem soluções. Os críticos de literatura grega ainda hoje discutem o que quer dizer ao certo o número do navio, 937, que talvez seja uma alusão ao ano seguinte, 1937. Os últimos versos de resto contêm outro trocadilho, AG ONIA é a forma diminutiva de AGIA ONIA, Santa Onia, na forma abreviada, AG., tantas vezes assim grafada nas proas dos barcos gregos, equivalente ao nosso St., que permite que a palavra se leia AGONIA: “Chamam ao único navio que viaja AG ONIA 937” é o último verso do poema. Há poemas que nem sequer nos salvam, como me disse uma vez uma amiga minha que é poeta: a poesia não serve sequer para lavar os dentes. Sobreviver não é uma salvação. Mas podem servir para reconhecer a vulgaridade do que nos rodeia, a que O’Neill talvez tenha chamado de “amor mal soletrado” e resolver não acrescentar nada ao seu veneno absurdo. Podem ser, quando parecem não ser mais nada, apenas uma mera questão de acessório de higiene, o espelho diante do qual lavamos os dentes. Mas os poemas bons são sempre isso e tão mais do que isso:


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

             Atenas/Amorgos
Maio/Junho de 2023

 

Sobre um verso de poesia estrangeira

Yiorgos Seferis[1]
Em Tetradio Gymnasmatôn (Caderno de Exercícios) (1928-1937)
Tradução de Tatiana Faia

Para Elli, Natal de 1931

Feliz aquele que fez a viagem de Ulisses.
Feliz se no começo da viagem sentiu a equipagem de um amor
com toda a força estendendo-se tensamente pelo corpo como
as veias por onde ressoa o sangue.

Um amor de ritmo indissolúvel, invencível como a
música e interminável porque nasce quando nós nascemos
e quando morremos, se
morrerá connosco, não o sabemos nós e mais ninguém o sabe.

Que deus me ajude a dizer, num momento de grande
felicidade, o que é ao certo esse amor;
sento-me às vezes rodeado de exílio, e escuto o seu distante
murmúrio como o som do mar quando
se mistura com um inexplicável remoinho.  

E surge diante de mim, de novo e de novo, o fantasma
de Ulisses, com os olhos vermelhos do sal
das ondas,
do desejo amadurecido de ver outra vez o fumo que se eleva
do calor da sua casa e o seu cão
que envelhece esperando junto à porta. 

Ali está ele de pé, alto, sussurrando através da sua barba
branca, palavras da nossa língua, como a falavam
há três mil anos.
Estende a palma da mão calejada pelas cordas e pelo
leme, a sua pele curtida pelo vento do norte, pelo calor
infernal e pela neve. 

É como se quisesse expulsar de entre nós o sobre-humano Ciclope
que vê com um só olho, as sereias, que se as escutas te forçam
ao esquecimento, e Sila e Caríbdis:
monstros tão complicados que nos impedem de entender
que também ele era um homem que se debateu no mundo,
com a alma e com o corpo. 

É o poderoso Ulisses: aquele que sugeriu que se construísse
o cavalo de madeira e os aqueus conquistaram Troia.
Imagino que ele vem para me explicar como também construirei
um cavalo de madeira para conquistar a minha Troia. 

Porque fala humildemente e com serenidade, sem dificuldade, parece
conhecer-me como se fosse meu pai
ou algum desses velhos marinheiros que curvados sobre as suas redes
na hora em que chega o inverno e a raiva do vento, 

que me cantavam, na infância, a canção do Erotókritos,
com os olhos marejados de lágrimas;
era então que eu me assustava no sono ao escutar o injusto
destino de Aretusa ao descer a escadaria de mármore. 

Ele sabe quanto é difícil a dor que sentes quando as velas do teu navio
se incham com a memória e a tua alma se transforma no leme,
estar sozinho na escuridão da noite e à deriva como
palha na eira; 

ele fala-me da amargura de veres os teus companheiros afogados
pelos elementos e destroçados um a um.
E de como é estranho ganhares força conversando com os mortos,
quando já nenhum dos vivos que restam te basta. 

Ele fala... vejo ainda as suas mãos que sabiam julgar se tinha sido
bem-talhada a sereia na proa
para assim me oferecer um tranquilo mar azul em pleno coração do inverno.


[1] O verso estrangeiro é “Heureux qui, comme Ulysse, a fait um beau voyage.” Joachim du Bellay, Les Regrets.

"Ansiei por" de Thomas Gorpas

Thomas Gorpas (Missolonghi, 1935-Athenas, 2003)

Tradução de Tatiana Faia com Yiorgos Evgenios Douliakas

 

Ansiei por

Ansiei por robalo cozido com batatas assadas e molho de ovo e limão
que deixa um cheiro doce e ressuscita.
Ansiei pela procissão da Sexta-Feira Santa na minha cidade.
Ansiei por carne assada no forno com massa.
Ansiei por leite fermentado.
Ansiei pelo ravani da minha mãe.
Ansiei por um cigarro do maço do meu pai.
Ansiei discutir Nietzsche e Dostoievsky com
Yiorgos Kotsiras e Yiorgos Fagópoulos.
Ansiei por deixar que a chuva me apanhe enquanto desço a rua
a fumar à chuva.
Ansiei pelos meus primeiros amigos de Missolonghi.
Ansiei pelos meus primeiros amigos de Atenas. 

Ansiei pelas raparigas ansiei pelas avós que se sentam nos degraus e
em bancos na rua em frente de casa verões inesquecíveis enquanto cai
o sol enquanto cai a tarde fantasias e fábulas junto com
desejos secretos e duras realidades.
Todas as coisas estão separadas e juntas o branco e o negro esquecidos e
Inesquecíveis coisas amadas e desprezadas.
E a poesia não fala de acabar. O céu na terra ou a terra
no céu dá no mesmo.
Cheiros do corpo cheiros da sala de aula cheiros do campo
cheiros do café e da taberna da sala
do quarto.
Vem cá Golfo no curral a mãe do Kitsos sentada o Yiannos
e a Pagona canções francesas da rádio Luxemburgo e
da rádio Montecarlo Zorro Dan Fowler e a revista Hele-
nopoulos de Nikos Tsekouras.
Tento atravessar um túnel e sair para a luz ou tento da
escuridão dos nossos dias entrar num túnel
inundado de luz?

E amor.

 4.3.1998 

Νοστάλγησα

 

Νοστάλγησα λαβράκι βραστό με πατατούλες αυγολέμονο
να μοσχοβολάει και ν
᾿ ανασταίνει.
Νοστάλγησα Επιτάφιο στην πόλη μου.
Νοστάλγησα γκιουβέτσι στο φούρνο.
Νοστάλγησα ξινόγαλο.
Νοστάλγησα ρεβανή της μάνας μου.
Νοστάλγησα τσιγάρο από το πακέτο του πατέρα μου.
Νοστάλγησα συζήτηση για το Νίτσε και τον Ντοστογιέφσκι με
τον Γιώργο Κοτσίρα και τον Γιώργο Φαγκόπουλο.
Νοστάλγησα να με πιάσει η βροχή στο δρόμο να περπατάω μες
στη βροχή καπνίζοντας.
Νοστάλγησα τους πρώτους φίλους μου στο Μεσολόγγι.
Νοστάλγησα τους πρώτους φίλους μου στην Αθήνα.
 

Νοστάλγησα κορίτσια νοστάλησα γριές να κάθονται στα σκαλιά και
σε σκαμνιά έξω από το σπίτι καλοκαίρια αλησμόνητα ενώ πέφτει ο
ήλιος ενώ πέφτει το βράδυ φαντασίες και παραμύθια ενωμένα με
κρυφές λαχτάρες και σκληρές πραγματικότητες.
Όλα είναι χώρια και μαζί λοιπόν άσπρα και μαύρα ξεχασμένα και
αξέχαστα αγαπημένα και περιφρονημένα.
Καί η ποίηση δεν λέει να τελειώσει. Ο ουρανός στη γη η γη στον
ουρανό το ίδιο κάνει.
Μυρουδιές του σώματος μυρουδιές της τάξης μυρουδιές της εξοχής
μυρουδιές του καφενείου και της ταβέρνας του θαλάμου και της
κρεβατοκάμαρας.
Έβγα Γκόλφω στο μαντρί Τού Κίτσου η μάνα κάθονταν ο Γιάννος
κ
᾿ η Παγώνα γαλλικά τραγούδια από το Ράδιο Λουξεμβούργο και
το Ράδιο Μόντε Κάρλο Ζορρό Νταν Φόουλερ και το περιοδικό Ελλη-
νόπουλο του Νίκου Τσεκούρα.
Προσπαθώ να διασχίσω μια σήραγγα και να βγω στο φως ή προ-
σπαθώ από το σκοτάδι των ημερών μας να μπω σε μια σήραγγα
γεμάτη φως; 

Καί αγάπη.