Notas sobre Poesia Contemporânea Portuguesa #2. “Par de Olhos” de Inês Morão Dias (Fresca, 2019)

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 Vivemos num mundo variado e disperso (ou vivíamos quando comecei a escrever este texto). Parece que foi de uma deambulação por lugares de todos os dias, de um encontro nas ruas com uma mulher que trabalhava numa esquina à noite e que se chamava Carlota Valdivia, que em 1904, em plena depressão da fase azul, Picasso pintou Celestina. Muitas coisas acontecem nesse quadro eminentemente estático. Nas cores e na figura esguia e de buço por fazer de Celestina há uma austeridade que lembra certas figuras de El Greco. Celestina tem uma idade avançada e falta-lhe um olho, e Picasso pintou-a no que parece ter sido, pelo que lhe fica inscrito no rosto, um momento no intervalo de qualquer outra coisa mais importante, como uma pausa de um  prolongado enfado de pendor sarcástico, quando Celestina acorda dessa letargia e sente um certo alarme que não sabemos bem o que é, e que talvez também ela não saiba bem o que seja, mas tem qualquer coisa que ver com o facto de ser vista. Há também o facto de que, passando-se isto na fase azul, ela estar completamente representada em tons de azul, e no olho que lhe falta o azul é tão delicado que Celestina, que não é de todo nem jovem nem bela, com o seu olho ausente nos faz pensar no olho turquesa  que existe no rosto de outra mulher que, por um acidente da história, no busto que a imortaliza ficou também com um olho só, esse busto é o da rainha do Egipto, Nefertiti, que pouco poderá que ter que ver com Celestina: exceptuando pelo facto de só entre ambas existir um par de olhos.

Porque visualmente falando Celestina surge complicada pela relação de Picasso com a cor azul, quando o expressionismo de Picasso já olha para frente, este é um daqueles quadros da modernidade cujo objectivo não é tanto uma representação realista do rosto de uma mulher que de outro modo podia ser banal, a falta de olho, o buço por fazer, mas aquilo que uma cor que nunca podia ser a de Celestina interpreta. O que quer que o azul de Celestina possa querer dizer, não há interpretação que o resolva, a instabilidade permanece e é adensada pelo olho em falta. Há outro lado de Celestina, que fica implícito no espaço alucinado pelo quadro, e que é a simpatia de Picasso por uma humanidade oprimida, explorada, pobre e sem voz. O mundo de Par de Olhos, primeiro livro de Inês Morão Dias, tem muito que ver com tudo isto.

Par de Olhos, poderia, pelo menos em sentido literal, estar no universo representacional oposto ao de Picasso e de Celestina, mas o título é, claro, ambíguo. Este par de olhos assoma primeiro à vista num dos poemas do princípio, que começa com a palavra arejar, e é uma sinédoque, para um tu que, assim nos é dito, convertido em destino, permite que se sobreviva à vergonha do narcisismo. Muito do que acontece neste livro tem que ver com um impulso em direcção ao exterior, ao outro, que embora pareça ser da ordem da curiosidade que matou o gato, é também necessário para que, como se lê nos últimos versos do livro se cultivem jardins, “porosas miniaturas/ entre o fora/ e o dentro.”

Há um efeito de desordem nos poemas de Par de Olhos que instaura uma certa instabilidade, que é tanto espacial como sentimental, que eles navegam mas não resolvem, um lado lúdico constante que convida o leitor a entrar mas que o deixa em estado de alerta porque tende a resistir a todas as interpretações. As linhas de força de Par de Olhos são linhas de instabilidade que têm que ver com os movimentos, mentais e de flanêrie por uma cidade que é e não é o Porto no século XXI, de um sujeito urbano que mantém um caderninho num saco com outros objectos (ver p. 16), e que parece não ter grandes problemas em declarar-nos os seus métodos. Há três ou quatro poemas que poderiam servir como artes poéticas, mas talvez aquele que seja mais esclarecedor desse ponto de vista, seja o poema da página 26, onde se lê: “Na frincha de um metro e/ pouco entre a linha do comboio e a/cerca/ há sempre roupa pendurada/ ao sol.../ terra fértil/ como escrever nas margens.” Sem dúvida que Par de Olhos é um livro escrito a partir de diversas margens, mas elas também servem para chegar a momentos inesperadamente altos, como naquele poema (p.30) em que se diz “quero chegar às coisas/ certas” mas a única percepção que se declara é aquela em que lemos “percebo que a força/ motriz que haverá/ em ti pousou/ numa flor real... e o desejo, digam-me/ onde está.”

Há revelações mais imprecisas, de ordem mais universal, que obedecem a equilíbrios de entendimento entre as pessoas, que são de ordem mais fugaz e difícil de classificar, como por exemplo quando o olhar pousa no de uma professora, “a vertical e magnífica bitkova,” e ambas, narradora e narrada, entendem estar dentro do mesmo segredo, o que permite que mergulhem, ou desenhem, o que na verdade é uma metáfora para o desenho, o que se descreve como a “mais simples reconfiguração do mundo,” como todos os gestos cuja finalidade é compor um lugar. Estes gestos regressam, e na verdade concebem momentos que alicerçam o livro, definem o espaço que ele ocupa, desenham, por exemplo, toda uma sequência que vai de um poema chamado “crónica,” em que uma série de humanos se juntam para dançar num sétimo andar, em que se descobre que o significado de uma palavra pode ser prima de uma mão que sorri num determinado dia. Há em todo o livro um íntimo elo entre as metamorfoses que o movimento através do espaço permite, e aquelas que são criadas pela linguagem, como esta, em que uma palavra é exposta como prima de uma mão, e assim de um gesto. Os encontros mais banais por vezes encerram revelações decisivas, expõem o quão facilmente podemos ser salvos ou perdermo-nos: por exemplo, num poema (p.74), alguém sobe a rua com um mau pensamento, e acaba a ajudar uma senhora sozinha e que, cheirando muito a álcool, não consegue baixar o volume da música que um filho que desapareceu de cena deixou a tocar, e quando esta mulher lhe toca o braço, percebemos que este poema é a história deste toque, desta mulher que se ri, “como se tivesse parado/ só para me travar o pensamento.” Num dos poemas mais fundamentais do modernismo, escrito por W. B. Yeats em 1919, há a descrição de um falcão que gira e gira no ar sem poder ouvir o falcoeiro, o que deixa em nós leitores, a impressão de círculos concêntricos que se vão tornando cada vez mais afastados, e o verso que fecha a descrição desse movimento do falcão, é aquele que conclui que o centro não se sustém. Os poemas de Par de Olhos não têm um centro, muitas vezes parece que entramos por um stream of consciousness, mas, não havendo um centro, há um olhar lúdico que parece colecionar revelações fundamentais para viver num mundo em que as narrativas, pelo menos as que estão supostas nestes poemas, não são muitas vezes teleológicas, isto é, não pendem para um fim, o que significa que o objecto das narrativas destes poemas não é o utilitário. Há, de resto, uma certa resistência a isto, numa cuidadosa distinção entre aquilo que é a busca de um sentido que ultrapassa quem fala nestes poemas, e uma tendência para o sermão. Ou seja, aquilo que separa a poesia da retórica. Há (p. 76) um verso em que se lê, “a epístola não poderá dar lugar ao sermão.../ a epístola ora procura poiso ora se vira, pêndulo complicado no seu apoio/ supersticioso na secreta/ esperança/ de uma atenção não dita/ aos rebentos das túlipas/ aos títulos do jornal com os seus cúmplice/ aos ninhos de horizonte/ a epístola tem um fim.”

Todos estes momentos demasiado altos, ao longo do livro, dependem de revelações ou epifanias efémeras, cuja luminosidade fica connosco, mas é muitas vezes alicerçada num sentido de humor que roça a autoparódia, o que só sublinha a instabilidade. Há poemas que são sobre preocupações mundanas, no melhor sentido do termo, com os limites do espaço, com copos de vinhos e sandes comidas às horas de almoço, com uma relação entre profundidade e rasura, interior e exterior, cujo diálogo ambivalente com os sujeitos que nelas pousam os seus pares de olhos só pode ser tornada óbvia através de palavras, mais especificamente as que se leem em poemas como este  “o lado de fora dos anos/ dois mil/ está do lado de dentro/ de todos os poços que/ lado a lado/ são fundos (p.8),” o que tem uma equivalência com as coisas que ficam por ser ditas, que permanecem à superfície sem se esclarecerem.

Deve ser por isso que uma das grandes preocupações éticas deste livro tem a ver com o cinismo, que alicerçado na contradição é uma forma de hipocrisia – não me parece, de outro modo, que haja em Par de Olhos grande tendência ou paciência para moralismos. A hipocrisia surge no poema “Mastiga a contradição (p.13),” que vem com um eco de Sophia, e daquele poema sobre as pessoas sensíveis que nunca matariam uma galinha, mas não têm grandes problemas em comê-las. A versão da Inês para isso reza assim: “...o cinismo/ ... é usado com frequência/ entre refeições mas a/ que tão bons corações se/ apegam como se fosse pão...”

            Há, claro, aquilo que nos salva do cinismo: a desconstrução é ainda um exercício sobre a forma humana, um modo de apontar direcções. “One meets another” (p. 62) é provavelmente o poema mais explicitamente erótico de Par de Olhos, descreve e marca as posições de dois corpos no espaço, o modo como se enredam e desenredam um no outro, um do outro, traçando a sua própria história, mas o ponto central do poema é não este momento, mas o modo como as histórias começam, existem antes de chegarmos a elas como pontos de referência, ainda que depois se desfaçam, a função do poema é registar uma história que se vai lendo “nas legendas das imagens/ estrábicas da dispersão/ e desatenção/ ao respirar/ que é a lava dos dias que se/ agarram/como bacias do corpo humano/ vertendo realidade/... que de través ou/ resvés disso/ se desvaneceram.” O sentido é algo que se isola por um momento, que se entrevê.

No entanto, o último poema do livro, “Paisagem” (p.88-89), talvez no contexto da poesia contemporânea portuguesa exista no mesmo contexto de conversa cívica a que a recentemente a antologia Três Bucólicos Ingleses: John Clare, Thomas Hardy, Edward Thomas (selecção e tradução de Ricardo Marques, Elysium, 2020) se refere: a da nossa relação com as paisagens urbanas e naturais em que vivemos, com o planeta, em última análise, lemos versos que já citei acima: “e contudo na hesitação/ entre deambular e a autofagia/ jardins cultivam-se// porosas miniaturas/ entre o fora e o/ dentro.” Pode bem ser que estejamos a viver num tempo que não tem um centro, um ponto que Par de Olhos retoma de velhas poéticas dos modernismos e eleva a aspecto central da sua poética, mas também isto é elusivo. O livro traça afinal o seu próprio caminho. A dispersão de que nos dá conta é-nos proposta com um grão de sal e é este grão de sal afinal o objecto fundamental do livro. É o que nos recorda, como os versos finais, que as linhas que desenhamos, sempre que nos viramos para fora e nos perdermos nos enredos que nos rodeiam, têm as suas zonas de contágio, são os jardins que afinal vamos cultivando.

 

Tatiana Faia

Lisboa, Março de 2020

Oxford, Novembro de 2020

Dois poemas de Goliarda Sapienza


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Tradução: João Coles



Chuva de ódio do céu

Chuva de ódio cai
do céu sobre os prados e seca
a relva as mãos queima o cabelo e cega
o homem que com atenção contemplava ao alto este
bater de asas.

Graniza ódio sobre os telhados
derruba paredes
ceifa os tendões do cavalo em fuga
que se estatela fumegante na calçada.



Está previsto

Está previsto.
A tua vida
à beira-mar
a minha morte
no fundo do poço.
Está previsto,
a mesa posta
com copos e com facas.
Está previsto
há muito tempo
o teu regresso ao meu
poço de águas pluviais.

in Ancestrale


Pioggia d’odio dal cielo

Pioggia d’odio dal cielo
cade sui prati e secca
l’erba le mani arde i capelli acceca
l’uomo che attento alto fissava quel
volo d’ali.

Grandina odio sui tetti
scardina i muri
sega i tendini in corsa del cavallo
che stramazza fumante sul selciato.


È predisposto.

È predisposto.
La tua vita
in riva al mare
la mia morte
in fondo al pozzo.
È predisposto,
la tavola apparecchiata
con vetri e con coltelli.
È predisposto
da tempo
il tuo tornare al mio
pozzo d’acqua piovana.

in Ancestrale

Cai com estrondo a noite

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Cai com estrondo a noite na lezíria, os joelhos em sangue, as mãos lanhadas, a hemorragia no seu corpo insepulto. Há urgência e sobressalto nos bichos, correndo espavoridos, enfiando-se nos antros, nas luras, nas covas, nos covis, escondendo-se debaixo das pedras, dos ramos caídos, do lodo que a enchente arrastou e o sol apodreceu. Uma última ave, perseguida pelo ocaso, desce sobre o rio levemente chamuscada. Uma toupeira fareja o ar irrespirável e recolhe à sua toca. Um gafanhoto salta para um talo derradeiro, que oscila contrariado. Furtivo, um furão atravessa a estrada e insinua-se na erva rasteira. Voltejam os morcegos em seus madrigais satânicos. A aragem detém-se um momento e prossegue, meio tom abaixo, num bemol lúbrico. Insones, as cigarras marcam o compasso numa estridência dissonante. Ao agudizar-se, cessa o desespero. Cessa a esperança na noite exânime.

Perfil de João Moita

Improbabilidade de Celia Cruz 

 

Em África decidi que não te podia amar mais, enquanto emborcava Tuskers 
E lia sobre uma guerra colonial tão estrangeira para mim, como o amor, 
Seguindo por cima do livro os passos lentos da turista alemã, 
Em direção ao chuveiro, atravessando um ar espesso como o cantar 
Quente dos grilos, enquanto escrevinhava dentro daquele Toyota Hiace, 
A contagem decrescente dos dólares e dos xelins, aquela pulseira 
Acabou por se partir noutras violências consentidas, permanece espalhada 
Numa gaveta do meu quarto de adolescente, à espera de um elástico, 
Na companhia das cartas de amor que me escrevias, mi riño, la vida es un carnaval, 
Aqueles montes, dizia-te, parecem uns para os lados de Fornos de Ledra, 
Encontro sempre algo de familiar nos montes, mesmo que estejam pintados 
Com outros verdes, o Sol é o mesmo e o amor esgota-se sempre, 
E tinhas razão logo desde o início, no hay que llorar, que la vida es un carnaval
Y las penas se van cantando, mas eu sempre fui fiel ao silêncio das palavras.  

06.11.2020 

 

Turku 

Acetileno de Adrian Grima

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Tradução a partir da versão inglesa de Rui Cóias

 

 

Acetileno

 

Guindastes sobre o cais aguardam a sua carga.
Três gaivotas sobrevoam os motores
em círculos infindáveis
procurando os despojos flutuantes.
Para fora das vísceras.

Sob a plataforma de petróleo de Monrovia
eles estão torcendo o ferro com acetileno,
uma centelha como um insistente rumor se espalha pelo vapor azedo.
Essa chama,
é mais viva que a lua acima dos intestinos de Marsa,
mais espontânea,
mais azul que as sirgas de cobalto dividindo a doca do mar
de onde tudo se arrasta diante do vento.
Há um cargueiro atracado no cais,
ladeando um rebocador chamado Sea Patron.
Além, a porta de entrada para o porto.
Depois disso, só o vácuo. 

Entre as lascas de ferro fundido,
os feixes empilhados, os tubos emaranhados;
por detrás das entranhas amontoadas como correntes
num teatro de abandonadas cirurgias,
homens aparecem envergando seus uniformes
manchados pelo porto.
Seus olhos abrigam turnos de oito horas,
o lânguido movimento de seus capacetes amarelados
fitado
por três gaivotas. 

Espero as entranhas remexerem,
as vísceras pulsarem,
o sangue escorregando para o cinza,
o amarelo ser tingido de azul,
o cobalto começando a correr nas veias.
Espero por uma mão rasgando as janelas abertas,
entre os fuliginosos arcos,
as cruéis gaivotas mergulharem,
o mar sacudindo-se,
os barcos lentamente descolando do porto,
o velho Mediterrâneo a estremecer.
Espero os cães de ronda começarem incessantemente a latir,
para partir as correntes, estocadas na garganta do silêncio.
Espero os guindastes chiarem contra as suas cargas,
descarregando e carregando o convés,
um cais
alargando-se diante deles.  

Espero a alaranjada visão ser incendiada,
o cordame de cobalto aturdindo as profundezas;
eu espero algum profeta no céu enegrecido,
um cometa no abismo,
o tamborilar da luz do sol no coração. 

Eu espero pelo azedado odor,
a centelha,
o acetileno …

Aċitilena

 

Il-krejnijiet fuq il-moll jistennew it-tagħbija.
Tliet gawwijiet jittajru fuq l-inġenji
fi ċrieki li ma jagħlqux,
jistennew il-fdalijiet telgħin fil-wiċċ.
Mill-vixxri. 

Taħt ir-rigg taż-żejt minn Monrovia
qed jgħawġu l-ħadid bl-aċitilena,
xrara fil-fawra morra qisha xniegħa persistenti.
Tixgħel aktar mill-qamar merfugħ fuq l-imsaren tal-Marsa
dil-fjamma,
aktar spontanja,
aktar kaħla miċ-ċima ċelesti li tofroq il-baċir mill-baħar
bir-riħ jarmi kollox ’il barra.
Hemm barkun mistrieħ mal-moll,
u maġenbu l-lanċa tal-irmonk Sea Patron.
Lil hinn, xi mkien, id-daħla tal-port.
Lil hinn minnu d-dagħbien. 

Minn qalb il-pjanċi tal-ħadid,
it-travi fuq xulxin, il-kanen stivati,
minn wara msaren qishom ktajjen mitluqa gozz
f’teatru tal-operazzjonijiet abbandunati,
jitfaċċaw irġiel moħbija ġol-boilersuits
imtebbgħa bil-port.
Għandhom tmien sigħat xogħol
f’għajnejhom
u tliet gawwijiet josservaw
il-pass kajman tal-helmets sofor. 

Nistenna l-imsaren jitħarrku,
l-intern jistejqer,
id-demm jiġri fil-griż,
l-isfar fl-ikħal,
iċ-ċelesti jitlaq jiġri fil-vina.
Nistenna l-id tbexxaq bis-salt it-twieqi
tal-ħnejjiet imġemmdin,
il-gawwi jogħdos bla ħniena,
il-baħar jinħasad,
il-laneċ jinqalgħu bil-mod minn mal-moll,
il-Mediterran qadim jirtogħod.
Nistenna l-klieb tal-għassa jaqbdu jinbħu
bla ma jieqfu,
iqaċċtu l-ktajjen, iħebbu għas-skiet.
Nistenna l-krejnijiet jitbaqbqu mill-ġdid bit-tagħbijiet,
iħottu u jgħabbu fuq gverta mifruxa quddiemhom 
bħal port. 

Nistenna l-oranġjo jieħu n-nar,
iċ-ċelesti taċ-ċima jistordi qiegħ baċir,
nistenna profeta f’sema iswed,
kometa fl-abbiss,
tħarħira xemx fil-qalb. 

Nistenna r-riħa morra,
ix-xrara,
l-aċitilena...

 

Acetylene

Cranes on the pier await their cargo.
Three seagulls swoop over engines
in unclosed circles
scanning for floating scraps.
Out of the innards. 

Underneath the oil rig from Monrovia
they're bending iron with acetylene,
a spark like a persistent rumour spreads through sour vapour.
This flame,
it’s brighter than the moon above the bowels of Marsa,
more spontaneous,
bluer than the cobalt hawser separating dock and sea
where everything is driven out before the wind.
There’s a longboat hove-to against the pier,
beside it a tugboat called Sea Patron.
Somewhere beyond, the gateway to the harbour.
Beyond that, the void.

From among the sheets of cast iron,
the piled-up beams, stacked pipes,
from behind the guts heaped up like chains
in a theatre of aborted surgeries,
some men turn up ensconced in boilersuits
stained by the port.
Their eyes harbour eight-hour shifts,
their yellow helmets’ languid progress
watched
by three seagulls. 

I wait for the guts to stir,
the innards to pulsate,
the blood to run into the grey,
the yellow to be shot with blue,
the cobalt to begin to course through veins.
I wait for a hand to crack the windows open
between the sooty arches,
the ruthless gulls to dive,
the sea to take a jolt,
the boats to detach slowly from the pier,
the old Mediterannean to shudder.
I wait for guard dogs to start up their ceaseless bark,
to snap their chains, lunge for the quiet’s throat.
I wait for cranes to groan against their cargo,
to unload and load a deck,
a port
spread wide before them. 

I wait for the orange to catch fire,
the hawser’s cobalt dizzying the depths,
I wait for some prophet in a black sky,
a comet in the abyss,
the thrum of sunlight in the heart. 

I wait for the sour smell,
the spark,
the acetylene... 

(Translation from the Maltese into English by Albert Gatt)


 Um dos mais reconhecidos nomes da literatura maltesa contemporânea, Adrian Grima (Malta, 1968) escreve contos, ensaios e poesia, tendo apresentado o seu trabalho em todo o mundo. A sua obra encontra-se também traduzida e publicada em árabe, francês, alemão e italiano. Adrian Grima é fundador da Inizjamed e foi Director do famoso Festival Mediterráneo de Literatura de Malta, entre 2007 e 2018. Trabalha como Professor Associado de Literatura Maltesa na Universidade de Malta e como Leitor convidado na INALCO, París.