Terceira Margem

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Poesia de Portugal e do Brasil

Editado por
Francisca Camelo
Bruno M. Silva
J. Carlos Teixeira
Vítor Teves

Prefácio de Pedro Eiras

 Enfermaria 6, Lisboa, novembro de 2019, 174 pp.

Capa de Gustavo Domingues

14€

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Para revelar o sabor das coisas, para saber o que já se sabia, não há regras, há apenas escritas, procuras, experiências e encontros, a muitas vozes e a muitas mãos – por exemplo, vinte e duas mãos de poetas e poetisas, entre Portugal e o Brasil, vozes que descrevem, revelam, diagnosticam as avarias na máquina do mundo, vozes que se enervam, ironizam, por vezes escondem a dor numa fuga em frente, vozes ríspidas, oníricas, ternas e lentas e velozes ao mesmo tempo, vozes imprevisíveis, que coincidem num mesmo presente e o multiplicam por outros tantos tempos, vozes, idiomas.

Pedro Eiras, “Como se revela o sabor das coisas”

 

Isabela Rossi: 5 momentos

*

não dá pra confiar em muita gente
mas eles me deram
cigarritos
eu fumei calma
e o menino de 12 anos
tocou firme pra mim
aquele fort piano desabado do céu
não era detroit
desvio de caminho o
trem pra jurubatuba
encharcou de gente
tive que saltar pra deslumbrar
no bico da nuvem
cara e cotovelos
rasguei o manto pietá
e dei de lágrima
com a patti smith e seu anjo
olhos cor de chumbo

*

meto cansada
e não alinhavo os pássaros
alguns dias sangro
olhos de urtiga
tudo arde
nesta ferida
eis me aqui
o verso ruim
A carne viva
e no incêndio da
artéria aorta
um aviso
o abutre que não ouse
pousar no meu poema

**

vontade de chorar não é nada
lágrimas de um crocodilo alucinado
Não tenho feito nada de errado nesses
espelhos lago alquebrados
só analiso o
rastro de cardumes
e uma mancha de barro
colada no ambar flutuante
daqueles rios que lavam mar
mores de madonas e os
coturnos lábios
línguas viajantes de um país
incomum

*

Entre o Lobo da Estepe
e o Lobo do Mar
eu sou a raposa
branda
aquela
- queen of
uma cerejeira em flor -
a Instinto-poesia,
atiçar.

**

um canto

dos pássaros
honradas todas as plumas
rimos com dentes de nada
próximos choramos
Grandes telas de cinema
estações de tratamento
As ratas de esgoto também não conhecem aberto
o céu
Toquemos pra elas, Viviane
Com as palavras no azul
o violão cello
em comum nós temos um coração
patas
e pêlos cheirando azedo
ou sangue
quando a chuva infiltra
palcos planos
porões cândidos
Todos
desertos loucos da nossa alma