Monte Carlo

Hoje sinto um desacerto
De há uns anos
Que ainda não desapareceu

Como o outro
Parei o carro na serra
Para nas luzes ao longe
Ver-me a mim
E dizer aquele sou eu
Mas não correu bem assim

Eu não perdi a memória
Não perdi de vista a casa
Não saí de nada à pressa
Fechei a água e o gás
Não me esqueci do caminho
Não há nada que me apresse
Nem há nada que me impeça
Há só esta sensação
De que por qualquer razão
Vou ter de voltar atrás.

"A minha vontade de poder"

A minha vontade de poder
é instituída por uma lei
de uma inconstância medonha.
Procedimento sumário:
avanço nesta requintada carnificina
até extrair de mim a medula
de uma inspiração.
Palpável, concreta:
destrutível.
Aqui corta cerce a grande fábula:
torno-me legível como um anátema.

De João Moita, Uma Pedra Sobre a Boca, Guerra e Paz, 2019