Banho de mar

mar bravo
cavalgam-me as ondas
no dorso
nos ombros
enquanto nado

como uma tábua
debruada a branco
no ribombar contínuo da rebentação

espuma-mar
a entrar-me no corpo
em golfadas
que alegremente me enterrariam
se as deixasse

espuma-mar
a aguardar o fraquejo
do músculo que se entregaria
pra encontrar na massa líquida
a última morada

sou puxada
empurrada
virada e revirada
num volteio
que não vê chão

sou de água
transparente, fluida, molhada
em movimento oceânico que vai e vem

só pararia no fundo
se aceitasse engolir
o que com sofreguidão
engolir-me tenta

 

...

 

muda o mar entretanto
e em duas braçadas
dali saio e me levanto
viva, mas domada.

Notas para compor um espaço

 

A mulheres que chegam à Casa do Lago

com seus automóveis e seus filhos

de um ano ou três ou quatro

                                               observam-me sonolentas

 

Elas são loiras e gostam de passear pelas galerias

onde apodrecem quadros feitos por rapazes decentes

 

Elas olham-me enquanto seus filhos decidem

se mijam nas calças ou não

 

Elas transmitem-me com os seus movimentos

a certeza de uma pequeno burguesia em ascensão:

                pernas que os tecnocratas usaram

                músculos que os tecnocratas usaram, mamilos

que os tecnocratas usaram

 

Nelas vejo as raparigas

que não há mais de um ou três anos

pensaram na vida como algo diferente

desta maçã de plástico facilmente previsível

 

Nelas ainda posso ver as raparigas

no primeiro semestre de Filosofia

aparecendo intempestivamente no teu quarto de então

                               e gritando amo-te amo-te

ou levando-te pelo pénis

em plena rua

perante o horror das mães

dos seus futuros maridos

                e lendo poemas delas mesmas

onde diziam não me venderei

meu amor não precisa de guarda-chuva

onde se mostravam ao mundo de uma maneira limpa

                meu amor é a chuva

 

Elas erguem os seus bebés e parece que os oferecem a ti

 

Elas pintam os lábios olhando-se

nos espelhos dos seus carros

mas na verdade vêm-te a ti que te afastas

 

Que te afastas

mais aborrecido que enojado

pensando nas raparigas que não há mais de um ou três

                anos

(ou duas semanas?)

navegaram pela 1ª vez numa cama contigo

descobrindo que um orgasmo é algo definitivamente Belo

e Explosivo

e sendo feridas por essa explosão

                               e por essa beleza

Elas metem as suas coisas no carro

sacos, programas, cartazes, crianças, estranheza

e vão buscar o marido ao escritório

 

E aceleram, aceleram, aceleram

mas a Terra move-se muito mais rápido do que elas

 

Roberto Bolaño

Dois fragmentos de Safo

Safo e Alceu, Lawrence Alma-Tadema, 1881

Tradução de Tatiana Faia
A fixação do texto grego seguida aqui é a de David Campbell
(David Campbell, Greek Lyric, Vol. 1, Loeb Classical Library,
Harvard University Press, Cambridge MA, 1982)

16

Alguns falam de cavalaria, outros falam de infantaria,
alguns asseveram que nada sobre a terra negra é mais
belo do que navios, eu digo que é
o que se ama. 

Todos compreendem isto facilmente.
Aquela que em beleza ultrapassava
todos os mortais, Helena, deixou o marido 

irrepreensível e navegou até Tróia
não se recordou da sua criança
dos pais amados, mas arrastou-a 

<...>

vagamente
recordo-me agora de Anactória
que não está aqui 

mais queria ver o seu passar amável
a luz radiante no seu rosto
do que todos os carros de combate e toda a infantaria
em armas dos Lídios

<...>

impossível de acontecer
suplicar uma parte

<...>

31

 

Parece-me igual aos deuses
esse homem que diante de ti
se senta e de perto escuta o teu
conversar doce

e o teu riso amável,  isso faz
o coração tremer-me no peito
porque quando te vejo, ainda que por um instante, não
me resta qualquer fala, 

não: a língua quebra-se, corre-me
um fogo ténue sob a pele,
com os olhos nada vejo, latejam-me
os ouvidos, 

apodera-se de mim o suor e transpiro, um tremor
toma-me por completo, torno-me mais verde
do que erva, morro ou por pouco assim
me parece. 

Mas tudo deve ser ousado, porque

<...>


16.

ο]ἰ μὲν ἰππήων στρότον οἰ δὲ πέσδων
οἰ δὲ νάων φαῖσ’ἐπ[ὶ] γᾶν μέλαι[ν]αν
ἔ]μμεναι κάλλιστον, ἔγω δὲ κῆν’ ὄτ-
τω τις ἔραται·


πά]γχυ δ’ εὔμαρες σύνετον πόησαι
π]άντι τ[ο]ῦ̣τ’, ἀ γὰρ πόλυ περσκέ̣θ̣ο̣ι̣σ̣α
κ̣άλ̣λο̣ς̣ [ἀνθ]ρώπων Ἐλένα [τὸ]ν ἄνδρα
τ̣ὸν̣ [πανάρ]ι̣στον


κ̣αλλ[ίποι]σ̣’ ἔβα ’ς Τροΐαν πλέοι̣[σα
κωὐδ[ὲ πα]ῖδος οὐδὲ φίλων το[κ]ήων
πάμ[παν] ἐμνάσθη, ἀλλὰ παράγ̣α̣γ̣’ α̣ὔταν
              ]σαν 

              ]αμπτον γὰρ [   
         ]. . . κούφως τ[             ]οησ[.]ν
. .]μ̣ε̣ νῦν Ἀνακτορί[ας ὀ]ν̣έ̣μναι-
σ’ οὐ ] παρεοίσας·

τᾶ]ς κε βολλοίμαν ἔρατόν τε βᾶμα
κἀμάρυχμα λάμπρον ἴδην προσώπω
ἢ τὰ Λύδων ἄρματα κἀν ὄπλοισι 
πεσδομ]άχεντας.

           ].μεν οὐ δύνατον γένεσθαι
     ].ν ἀνθρωπ[. . . π]εδέχην δ’ ἄρασθαι



31.

φάινεταί μοι κῆνος ἴσος θέοισιν
ἔμμεν ὤνερ, ὄττις ἐναντίος τοι
ἰσδάνει καὶ πλάσιον ἆδυ φωνεί-
σας ὐπακούει

καὶ γελαίσας ἰμερόεν τό μ᾽ ἦ μάν
καρδίαν ἐν στήθεσιν ἐπτόησεν·
ὠς γὰρ εἰσίδω βροχέως σε, φώνας
οὐδὲν ἔτ᾽ ἴκει·

ἀλλὰ κάμ μὲν γλῶσσα ἔαγε, λέπτον
δ᾽ αὔτικα χρῷ πῦρ ὐπαδεδρόμηκεν,
ὀππάτεσσι δ᾽ οὐδὲν ὄρημ᾽,ἐπιρρόμ-
βεισι δ᾽ ἄκουαι,

καδ δέ μ᾽ ἴδρως κακχέεται, τρόμος δὲ
παῖσαν ἄγρει, χλωροτέρα δὲ ποίας
ἔμμι, τεθνάκην δ᾽ ὀλίγω ᾽πιδεύης
φαίνομαι […].

ἀλλὰ πᾶν τόλματον …

capítulo 12 de Te amo um pouco


ernesto estava tão admirado com o piso, tão feliz com o resultado. – ernesto, um dia sua cabeça explode de tanto que engole o brilho do piso. – a mão pesada de ernesto no meu ombro. impressionantes desdobraduras que faço para impressionar ernesto. me custou três vestidos e meio. lâminas de mogno para agradar ernesto, a esplendorosa solenidade dos rapazes aplicadores de piso mogno, seus uniformes dum cinza gasto, bonés francamente alaranjados, o cheiro psicodélico da cola: três cisnes bastante calados e um pouco aflitos. tatiana, sobrinha de ernesto, tropeçou no antigo tapete, ralou a gigantesca testa e luxou um braço. está bem, com toda razão, mogno será. ernesto disse que se sente mais vivo agora. colírio, pilhas palito, aspirinas e enxaguante bucal. anotei e fui buscar na farmacinha enquanto os rapazes do mogno faziam piso. só no balcão me dei conta de que estava sem sutiã. isso é pecado mortal, passível de multa na cidade de ernesto. saí do local abraçada com a sacolinha que cobria exatamente undécimo do meu dorso – essa é a calçada que mais agrada a bexiga dos cães – pensamentos para enxaguar suspensão – “fique com o troco” que idiotice – nunca há poeira nas maçanetas dessa cidade. chego em casa e, de novo, me dou conta dos olhares. que inferno é esse que enxergam onde não há nada para ser encarado? devo amamentar todos os mamíferos adultos da sua cidade? a criatura que encara os bustos desassutianados é quem deveria ser punida. cedo. contrariada e faminta, cedo. vou ao quarto, tiro a blusa, sacudo os peitos antes de vestir meu nude color instrumento de tortura, visto a blusa e estou descente para o povo de ernesto. – tudo isso, senhor juiz, tudo isso por conta de uma testa que deveria ganhar seu próprio código postal! – nesse espaço, entre imposta mácula, indignação e ranger de dentes, o piso ficou pronto. agora era preciso arranjar um hotelzinho por perto, porque dormir com aquela química, ah, certamente afetaria os brônquios de ernesto. a nós nos reservei uma suíte no sidebyside, mas que surpresa, ernesto preferiu ficar, noitear com a química. ficamos. ficamos muito loucos. obviamente. os olhos espiralados de ernesto que come uma maçã verde como quem come vidro temperado. de costas, me arrasto pelo mogno, balbucio coisas sobre os balconistas da farmácia, sobre os dois laços nos cabelos azulados da mocinha que ficou com meu troco – qual é o plural de xadrez, ernerto? – tiro a blusa, brinco com meus pés, jogo o sutiã na rua. e o poste foi premiado. e lá estará meu sutiã, meu ódio e minha liberdade provisória, numa exposição, lembrancinha minha, para que cada um dos passantes tenha seu quinhão de assombro – cheguei para satisfazer sua cidade, ernesto! – a essa altura do campeonato, minha voz é um boto descontroladamente risonho, tento – dio, come ti amo, tento, non é possibile – tento – entortaram a tampa do nosso escaninho, querido. ernesto sabrim de azevedo!, venha ver a obra, venha ver a instalação artística – a artista pretende com isso chamar a atenção à coibição sulista, à libertação da mulher distraída – ernesto! – agora a artista irá chamar a ambulância, porque os brônquios de ernesto che odorano di vento, noi due innamorati, come nessuno al mondo –  


sexta-feira santa

empurra a máquina, Macário
que me importa
se não me abres a porta
se a ela não bato?

empurra-me daqui pra fora
contando as horas
mostrando os dentes
a quem vem a desoras
e nem sei bem
quantas vezes te pedi
que viesses

de perna ligeira
e olhar silvestre
sobe à Senhora do Monte
que me arranje o cordeiro
montado num andaime
desses que se desfazem ao cair da tarde
numa páscoa de santo jejum
à qual faltou sacrifício

ele que diga se eu vivo
eu que troquei o verde pasto
pelo deserto infinito.