Autores convidados em Agosto

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Michel Kabalan

Michel Kabalan nasceu no Líbano em 1980 e reside no Porto desde 2014. É tradutor e académico. Escreve sob pseudónimo de Miguel Abalen na Enfermaria 6 e na Bacana.

Prisca Agustoni

Prisca Agustoni nasceu em Lugano, Suíça. Morou em Genebra por dez anos e hoje vive entre a Suíça e o Brasil, onde trabalha como professora e tradutora. Escreve e publica em italiano, francês e português, trabalhando com o processo de autotradução como criação poética. Foi poeta convidada de inúmeros festivais literários na Itália, Suíça e no Brasil, e tem poemas traduzidos para várias línguas. Suas publicações mais recentes são os livros Animal extremo (São Paulo, Patuá, 2017) e Casa dos Ossos (Juiz de Fora, Macondo, 2017), semi-finalista do prêmio Oceanos.

QUATRO POEMAS DE ROBERTO BOLAÑO TRADUZIDOS POR FREDERICO KLUMB (1/2)

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É noite e estou na zona alta
de Barcelona e já bebi
mais de três cafés com leite
em companhia de gente que não
conheço e sob uma lua que às vezes
me parece tão miserável às vezes
tão solitária e talvez não seja
nem uma coisa nem outra e eu
não tenha bebido café e sim conhaque e conhaque
e conhaque em um restaurante de vidro
na zona alta e as pessoas que
acreditava acompanhar na verdade
não existem ou são rostos entrevistos
na mesa vizinha à minha
onde estou bêbado e só
gastando meu dinheiro em um dos limites
da universidade desconhecida.

*

Lisa


Quando Lisa me disse que havia feito amor
com outro, na antiga cabine telefônica daquele
armazém de Tepeyac, pensei que o mundo
tinha acabado para mim. Um tipo alto e magro
de cabelos longos e um pau enorme que não esperou
mais de um encontro para penetrá-la até o fundo.
Não é nada sério, ela disse, mas é
a melhor maneira de te tirar da minha vida.
Parménides García Saldaña tinha cabelos compridos
e poderia ter sido amante de Lisa, mas alguns
anos depois soube que havia morrido em uma clínica psiquiátrica
ou que tinha se suicidado. Lisa já não queria
ir para cama com perdedores. Às vezes sonho
com ela e a vejo feliz e indiferente em um México
desenhado por Lovecraft. Escutamos música
(Canned Heat, uma das bandas preferidas
de Parménides García Saldaña) e então fazemos
amor três vezes. A primeira foi dentro de mim,
a segunda na minha boca e a terceira, apenas um fio
de água, uma fina linha de pesca entre os meus peitos.
E tudo isso em duas horas, disse Lisa. As duas piores horas
da minha vida, eu disse do outro lado.

*

Te legarei um abismo, ela disse,
mas de maneira tão sutil que só o perceberá
depois muitos anos
quando estiver longe do México e de mim.
Quando mais o necessitar o descobrirá,
e esse não será o final feliz,
mas sim um instante de vazio e de felicidade.
E talvez então te lembres de mim,
ainda que não muito.

*

Lupe*


Trabalhava na Guerrero, a algumas ruas da casa de Júlian,
tinha 17 anos e havia perdido um filho.
A lembrança a fazia chorar, naquele quarto do Hotel Trébol,
espaçoso e escuro, com banheiro e bidê, o lugar ideal
para se viver por alguns anos. O lugar ideal para escrever
um livro de memórias apócrifas ou um arranjo
de poemas de terror. Lupe era magra e tinha pernas compridas
e pintadas como as de um leopardo.
Na primeira vez sequer tive uma ereção:
tampouco esperava ter uma ereção. Lupe falou de sua vida
e do que era a felicidade para ela.
Depois de uma semana voltamos a nos ver. A encontrei
em uma esquina ao lado de outras putas adolescentes,
apoiada no para-lama de um velho Cadillac.
Acho que estávamos felizes de nos encontrarmos de novo.
Então Lupe começou a me contar coisas da sua vida, às vezes chorando,
às vezes olhando e contraindo, nua na cama,                                                          
o céu raso que se abria nas palmas das mãos.                                                          
Seu filho nasceu doente e Lupe prometeu à virgem
que deixaria a profissão caso ele se curasse.
Manteve a promessa por um mês ou dois e logo teve que voltar.
Pouco depois seu filho morreu e Lupe dizia que a culpa era sua
por não cumprir a palavra com a virgem.
A virgem levou o anjinho por uma promessa quebrada.
Eu não sabia o que dizer. Eu gostava de crianças, claro,
mas me faltavam muitos anos para saber
o que era ter um filho.
Então fiquei quieto e pensei em como era estranho
o silêncio daquele hotel.
Ou tinha as paredes muito grossas ou éramos os únicos hóspedes
ou os demais não abriam a boca nem para gemer.
Era tão fácil manejar o corpo de Lupe e sentir-se homem
e sentir-se desgraçado. Era fácil acomodá-la
a meu ritmo e era fácil escutá-la falar
dos últimos filmes de terror que tinha visto
no cine Bucareli.
Suas pernas de leopardo atavam-se à minha cintura
e ela afundava a cabeça no meu peito buscando meus mamilos
ou as batidas do meu coração.
É isso que eu quero chupar, me disse uma noite.
Quê, Lupe? O coração.

*Nota do tradutor: No poema “Lupe”, tomei a liberdade de verter os versos: “as veces cogiendo, casi siempre desnudos en la cama,/mirando el cielo raso tomados de la mano.”, para uma nova imagem, distinta da original no que se refere a literaridade. A escolha se deu, mais do que qualquer outra coisa, pelo desejo e a vontade de tentar alcançar, também, um pouco dessa beleza triste e desgraçada, legada por Bolaño a todos nós, através de sua literatura. Esta nota, por sua vez, não visa a justificar os possíveis erros e tropeços cometidos na tradução de alguns versos, feito que o tradutor assume aqui a carapuça, marinheiro de primeira viagem que é neste ofício. Mas, de alguma forma, penso que, por terem sido guiadas pelo desejo em primeiro lugar, uma madrugada veloz sem conseguir desvencilhar-me do livro, essas traduções não poderiam ser muito diferentes de como aí se apresentam. Talvez sejam justamente uma tentativa dessa coragem e valentia que Bolaño nos ensinou. Não sei se me perdoaria, onde quer que esteja agora. Mas sei que olha por nós, a cada vez que abrimos suas páginas.


Frederico Klumb é um escritor, poeta e cineasta brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, em 1990. Cursou Cinema na PUC-RJ e publicou poemas e contos em revistas especializadas, nacionais e estrangeiras, a exemplo de Modo de Usar & Co, Continente, Escamandro, Garupa, Dusie e Incomunidade.

Em 2016, publicou o volume Almanaque Rebolado (Azougue / Cozinha experimental / Edições Garupa), um guia artístico-pedagógico para criação poética, escrito a vinte mãos e fruto de residência no Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica (CMAHO).

Em 2017 a plaquete Arena (coleção megamini / 7letras), além do curta-metragem Agharta, exibido em festivais nacionais e internacionais de cinema, a exemplo do Festival Internacional de Curta-metragens de Hamburgo.

Participou de antologias como Golpe: manifesto (Nosotros editorial) e da exposição Rejuvenesça: Poesia Expandida Hoje.

Em 2018 publicou máquinas mancas da manhã (pela Edições Garupa), além de diversos vídeo-poemas, que podem ser vistos em sua página pessoal no vimeo.

Em 2019 publicou Bichos contra a vontade, também pela carioca 7letras.

ENDEUSO-ME e outros poemas de igual calibre

 “Peçam a grandiloquência a outros
Acho-a Hiperpulha no estado atual”

                             - depois de Assis Pacheco

 

 “Melhor um pardal vivo do
  que uma águia empalhada”

                          - Edward Fitzgerald

 

  “O grande inimigo da Arte é o Bom Gosto”

                             - Marcel Duchamp

 

ENDEUSO-ME

 

“Afinal, o avião de papel era um
retrato de um ilustre; vincado
 e atirado ao bidão do lixo.”

                      - Vítor Teves

 

E só de bife vive o crítico”

            - depois de  JMFJ

 

Endeuso-me
de segunda a sexta-feira
com os olhos fechados. Bem fechados
como aquela minha gaveta cheia de
inesquecíveis memórias de papel
amigos e amigas gente ilustre
um mini cemitério de Dostoievksi
que rego manhã cego junto com as plantas.
E sentadinho aqui neste meu sofá
vejo a erva crescer lentamente
enquanto estico as pernas. 

Hoje chegou-me a reforma
choruda como convém aos da minha geração
e assim de barriga cheia (com o tal bife) e pantufas fofas
vou sentar-me à secretária
e ao som do cravo de Bach
escrever frases sobre a Realidade.
A minha vai da página 1 à página 365
do jantar com a Ministra da Cultura
até ao jardim da Gulbenkian. 

Dos jovens sinto repugnância!
Já não respeitam Ninguém. Nem um
nem dois Camões nem as minhas barbas brancas
ou a minha enrugada pele de árduo trabalho.
Eu do meu alto púlpito um Deus desrespeitado
vou dando voz aos outros inocentes e
renegados Deuses –
uma espécie de ativismo
viril de sofá de couro! 

E do outro lado das suas lentes
(esta frase não é um verso porque
não me apetece que seja verso)
estava aquele nascido nos 80.
Acordava às 6 e trabalhava feito cão
até às 21. Não tinha contrato de
trabalho Segurança Social Não recebia
pagos os Feriados ou a Alimentação.
Pagava um renda de 1000 com os
seus míseros 600 euros de salário.
Estudara sempre a trabalhar como
escravo e não tinha bom emprego
porque não tinha sobrenome de Deus.
Aos domingos vai limpar a praia
do lixo que a geração dos Deuses
deixou a secar depois da Orgia.

“Eu sou uma vítima neste poema”
Dizia o Deus sentado no sofá.
“Por causa deste poema não consegui
trocar as minhas pantufas de crocodilo
por umas de cobra senegalesa.”
 

A Realidade a Realidade. Que sabes tu
desta nova realidade ou da dor dos mais jovens
sentado no teu cadeirão de asseado Couro?

 

 

AULA DE ARTE GREGA

 

“E Aby Warburg coroava, no Hall
                                           da biblioteca (cheio de teias de
  aranhas) a suprema ironia”

                                            V. T.

 

A Rui Maia

 

Se atravessares o rio Douro, verás a praça
de touros ou se preferires o labirinto sem
Minotauro; ou o palácio de malha vermelha
de Minos. Pátios e pátios num edifício que
já devia ter sido, há muito tempo, implodido. 


Não existe um Minotauro, é verdade, mas uma
claque de narcisos olhando-se ao espelho dia
e noite, dia e noite, dia e noite. Entre as aulas de
falsa geometria, há, entre outras aulas de enorme
utilidade, a aula mais cobiçada: a de Arte grega.

Com imagens timbradas a rosa, verás toda a arte
Grega: o Discóbolo; a Amazona; o friso de Fídias e
todo o Altar de Pérgamo com raios de cinza e
verde claro. Reflexos de sol, aqui e ali, trarão ao
Porto a grande distância da cidade de Atenas. 

“Como explicar o contraposto se não pelo desfile
em sala de aula? Assim será; pois, hoje trouxe o meu
calção rosa e a minha sandália de falso romano.”
E dizendo isso, desfilava entre as secretárias divididas:
raparigas feias de um lado, rapazes bonitos do outro.

“Já não estamos nas Monosobrancelhas da Meso-
potamia, como as do vosso colega; aquilo é falta de
pinça!”
Dizia o nobre professor, criando na boca
do aluno a devia resposta: “O professor é que tem
falta de Piça e convites recusados para 18 valores.”
 

É claro que nada disso aconteceu ou acontece!
Nada disso acontece quando se ensina ou se
aprende Arte Grega; somos todos muito puros!
E sentado na fila das secretárias dos bonitos
rapazes, o ilustre professor sorria, falava muito, 

esvoaça as mãos como se tentasse apanhar
alguma irritante mosca. Por vezes, fixava os
olhos, intensamente, sobre uma vítima, e
articulando palavras gregas, lambia, sensual-
mente, os lábios, para nojo de todos os rapazes. 

O triunvirato gay da sala cochichava baixo, ria,
anotava todas as parvoíces, fazia desenhos nos
cadernos: piças, bocas, cus, penetrações em
cinco ou seis linhas. O Ricardo era o mestre
em fazer da boca do ilustre a cabra de Apolo.

Ríamos que nem perdidos; e a cada riso, o
nobre professor excitava-se e falava mais
alto como se fosse um opositor de Platão,
enquanto imaginava-se sentado no colo
hirto dos três alunos, sobretudo do loiro. 

Sentados à secretária, rindo, desenhando,
fingindo não entender as flechas e bocas
de desejo, nós, os alunos, rapazes e jovens,
imaginávamos-lo cavalgando, feito louco,
sobre o frio e branco Fauno Adormecido. 

E quando um transmitiu a visão ao todo,
o riso foi de tal ordem que nenhum Deus
nos ajudou quando fomos, para nossa
satisfação, expulsos da aula de Arte Grega!
Hoje, o nobre professor de Arte Grega dá 


Crítica de Arte Contemporânea e tudo é
uma enorme chatice. Não há rabos e
peitos fortes, não há deuses e homens nus.
“O que é que isto? Digam lá! São só Rabiscos!”
E como “excelente” professor Acadêmico, 

que sempre foi, daqueles que tiram qualquer
vontade de aprender, diz “Nada supera a
Arte Grega a doçura do Fauno Adormecido
.” 

 

DO ANEDÓTICO

 

Um letrado, um fazedor e um poeta entram
num bordel de putas com cursos superiores.
O primeiro, de óculos de massa preta, pede
uma menina com filosofia contemporânea
feita. “Se possível com a mais alta nota”. O
que quer é falar sobre Derrida e Deleuze. 

O segundo, quase sem cabelos, pede uma
com ricos conhecimentos em História. Tudo
o que quer é buscar citações, aqui e acolá,
sobre o rir, o comer, o cagar e o foder, no
largo espectro temporal da vida na Europa. 

O terceiro, o poeta, não pede nenhuma.
Veio ao Bordel para fazer companhia aos
seus amigos paneleiros, que ainda não
descobriram que o são. Trouxe-os para
que se sentissem constrangidos face à
beleza e conhecimento de tais putas. O 

poeta não pede putas licenciadas, tudo
o que procura é unir dois pontos opostos:
os que não veem e os que só sentem!

 

 A ANATOMIA DE UM INVEJOSO

 

Como a pulga entre os pelos de
um tigre observava em silêncio
com olhos gordos a rica história
do seu mais leal amigo. 

Quando o vento soprou a poente
a tuba se abateu sobre ele e na
arrogância da imposição bateu
com os punhos sobre a mesa: 

“Aqui não quero aquela cereja
pois o bolo é só MEU MEU MEU.
Eu é que sou o verdadeiro Presidente
da Junta dos Leitores de Poesia ao vivo!”

E como um desenho animado -
um vilão de uma curta metragem
sem qualquer estrela - abria a boca
cheia de dentes e ria ria muito alto 

Como uma cascata imponente de
champanhe bela no início e tão
mísera e insignificante no final.  

                                                                

     VENENOS FARPAS E PUS

 

Venenos Farpas Pus Feridas Cuspidelas
Ranhos Ódios Invejas Egos Palavrões
Perdigueiros ocos Snobismos Ratoeiras
Inflamações Unhadas Nervos Irritações
- tudo isto forma a Forma Pura da Arte.

Há o mundo Há o embrião Há o corpo
interior Demónios mordendo as paredes
do intestino grosso estômago e esófago
Há essa eterna força do aprender primeiro
para depois chegar ao núcleo da máquina.
Para no fim dizer em voz alta como é inútil
a máquina - aquela que todos idolatram.  

A lucidez sozinha observa o pobre teatro.
Sempre foi assim e sempre será assim e
enquanto não chega o enorme meteorito
resta-nos implodir para o interior de nós
mesmos e como sempre fechar a janela.  

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Fauno Barberini/ “Fauno Adormecido”. Pormenor. Munique.

John Wieners: "Um poema para o velho"


 Deus te ame
            Dana, meu amante
perdido na horda
desta noite de sexta
500 homens estão indo de lá
pra cá entre o bar &
o banheiro.
Retire este desejo
do homem que eu amo.
Que abriu pra mim
            a selvageria
do mar. 

Faça que as vontades
dele sejam satisfeitas
na rua California
Dê-lhe a genero-
sidade que permita
paz entre os quadris. 

Não o abandone
às traças.
Faça dele um leão
para que todos que o vejam
idolatrem o seu
peito forte como eu fiz
descendo com a boca
pelas costas dele levando os
nossos corações até alturas
aonde hoje eu nunca mais
            escalo. 

Que o cabelo loiro
possa arder na sua
nuca, que nenhuma dor
desfigure o seu rosto
em desespero, a alma dele
      está tão dependente. 

Em vez de heroína,
forneça estes
cem homens como amantes
dele & o eleve
com o enorme pacote
do desejo alheio. 

Subtraia dele
a fome e os famintos
que se alimentam à noite.
Os carentes & os recém-
descobertos cujo peso o puxaria para baixo.
Aprume esse homem c/ orgulho e
apertando o amor que eu pus
            nos seus olhos. 

Derrame esse amor sobre os 500
Deixe-os estupefatos,
de joelhos, que
se curvem diante dele,
este humano burro
que virou
            meu amante
que me pegou
aos 18 anos & enfiou amor
para os meus bolsos
jamais estarem vazios,
apreciados como são
tocando na pele de dentro
            da perna dele. 

Eu ocupo esse espaço
enquanto os boys à minha volta
engasgam de desejo e
dão carona para nós até
em casa nas mãos
            de estranhos

 


A Poem for the Old Man

God love you
          Dana my lover
lost in the horde
on this Friday night,
500 men are moving up
& down from the bath
room to the bar.
Remove this desire
from the man I love.
Who has opened
            the savagery
of the sea to me. 

See to it that
his wants are filled
on California street
Bestow on him lar-
gesse that allows him
peace in his loins. 

Leave him not
to the moths.
Make him out a lion
so that all who see him
hero worship his
thick chest as I did
moving my mouth
over his back bringing
our hearts to heights
I never hike over
anymore.

Let blond hair burn
on the back of his
neck, let no ache
screw his face
up in pain, his soul
is so hooked. 

Not heroin.
Rather fix these
hundred men as his
lovers & lift him
with the enormous bale
of their desire. 

Strip from him
hunger and the hungry
ones who eat in the night.
The needy & the new
found ones who would weigh him down.
Weight him w/pride and
pushing the love I put
in his eyes. 

Overflow the 500 with it
Strike them dumb,
on their knees, let them
bow down before it,
this dumb human
who has become
my beloved
who picked me up
at 18 & put love
so that my pockets
will never be empty,
cherished as they are
against the inside flesh
of his leg. 

I occupy that space
as the boys around me
choke out desire and
drive us both back
home into the hands
of strangers.

(1958)

O sub-mundo da crítica

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Há pouco tempo, o poeta João Moita partilhou na “terrível aplicação neocapitalista” facebook a crítica que o também poeta Pedro Mexia fez para o jornal Expresso do livro Uma Pedra Sobre a Boca.

Na caixa de comentários surgiram “parabéns” e uma observação inteligente do nosso tradutor mais prolífico, Miguel Serras Pereira. Nela trata de confirmar o João como poeta de Deus, prontamente recusado por este. Os argumentos sucederam-se, com mais um interveniente, até que alguém, cheio de sentido de justiça, refutou de uma penada tudo o que tinha sido dito – até Deus, creio –, e de camisa arregaçada, pronto a matar por uma vírgula, garantiu, sem apelo nem agravo, que Pedro Mexia não sabe escrever, sendo apenas o cachorro do “Sr. Presidente”. Impôs de seguida um “não mereces [João Moita] tanta banalidade”, terminando, num registo épico, com “sem querer ofender ninguém. Só mesmo para dizer a verdade.”

Claro que não ofendeu ninguém, porque, para lá dele próprio, ninguém é filho de boa gente. E depois, se é “só mesmo para dizer a verdade”, de forma tão cândida e lapidar (ainda que a metáfora do “cachorro” contenha mais ambiguidade do que lhe parece), então seja bem-vindo ao sub-mundo da crítica literária (embora no seu caso esteja embrulhada na dos costumes, sobretudo nas rasteiras ad hominem). Um sub-mundo que, como percebeu logo à primeira, venera e zomba do mundo da criação literária. Nos dois casos sustenta maravilhosas emoções trabalhadas por um agonismo primário, amor e ódio, sem matizes. Antes se tratasse de um claro e obscuro, um apolíneo e dionisíaco. E as setas fossem lançadas sobre as palavras imperfeitas ou contra a beleza miserável.

A fúria dionisíaca ou o cinismo apolíneo (arrisco esta caracterização) se acalmassem com piras e piras incandescentes, alimentadas por todos os erros de sintaxe encontrados em autores menores, ou com as banalidades enfeitadas de seriedade bondosa.

Mas não, a crítica, especializada ou popular, subjectivista ou universalista, desolada como em George Steiner ou festiva como nalguns jornalistas, até porque não tem qualquer gosto pela dificuldade, empacota apressadamente com folhas de maledicência ou de elogios desmedidos o lento, dramaticamente lento, labor da criação.

E no entanto, sem críticos seria a própria criação que se empobreceria bastante, faltando-lhe o olhar racional que a obriga, pelo menos quando se trata de uma crítica informada e inteligente, a mostrar esplendorosas partículas que escapam aos que são somente leitores e até aos próprios autores.