Sexteto de Cordas
/“há brilho em todas as coisas”
Richard Dehmel / Schoenberg
Arnold Schoenberg - “Blue Gaze”, 1910
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
“há brilho em todas as coisas”
Richard Dehmel / Schoenberg
Arnold Schoenberg - “Blue Gaze”, 1910
Poema
Luz claridade salada de abacate de manhã
depois de todas as coisas terríveis que faço quão maravilhoso é
encontrar perdão e amor, nem sequer perdão
já que o que está feito está feito e perdão não é amor
e já que amor é amor nada pode dar errado
embora as coisas possam tornar-se irritantes aborrecidas e prescindíveis
(na imaginação) mas nunca de verdade para o amor
embora a um quarteirão de distância te sintas longínquo a simples presença
muda tudo como um químico entornado num papel
e todos os pensamentos desaparecem num estranho e calmo entusiasmo,
Eu não estou certo de nada para além disto, intensificado pela respiração
*
Poem
Light clarity avocado salad in the morning
after all the terrible things I do how amazing it is
to find forgiveness and love, not even forgiveness
since what is done is done and forgiveness isn’t love
and love is love nothing can ever go wrong
though things can get irritating boring and dispensable
(in the imagination) but not really for love
though a block away you feel distant the mere presence
changes everything like a chemical dropped on a paper
and all thoughts disappear in a strange quiet excitement
I am sure of nothing but this, intensified by breathing
há anos atrás
vi-me
numa situação
desesperada
segui
durante muito tempo
um caminho
que achava bom
o do aluno diligente
que faz os trabalhos de casa
e não falta
a muitas lições
e de repente
onde devia estar
o meu futuro
encontro
um poço negro
e o peso
de contas por pagar
os trabalhos
escasseavam
e acabavam sempre
no silêncio
depois de mais
uma entrevista humilhante
era verão
e eu sentia
que toda a minha vida
tinha sido
um enorme desperdício
fiz então
o que costumo fazer
quando me encontro neste estado
voltei-me para Dostoiesvski
tinha comprado recentemente
Dostoyevsky
A writer in his time
de Joseph Frank
e os meus dias caíram
numa rotina
de manhã
ia à praia
nadava
até deixar
de sentir o corpo
e de tarde lia
a biografia de Dostoievski
isto durou uma semana
no final da qual
eu recordara
(envergonho-me
por admitir agora
por escrito
que alguma vez
o tivesse esquecido)
que o valor de um ser humano
não é determinado
pela sua função
num determinado sistema
e que uma vida passada
a ler bons livros
é uma vida
bem vivida
era
um homem feliz
tanto quanto se pode ser
naquelas circunstâncias
ao ponto de procurar
o endereço
do Professor Frank
e de começar
a escrever uma nota de agradecimento
por aquele milagre
de mais de 900 páginas
ao mesmo tempo
iluminado
e escrito
com o arrebatamento
de um romance de Dostoievski
nunca terminei o e-mail
o Professor Frank
é um homem ocupado
quem sou eu
para tomar o seu tempo?
ano e meio depois
a minha vida
tinha dado uma volta
mudei-me para outro país
arranjei um emprego
que não era
demasiado desagradável
quando vi no New York Times
o orbitário de Joseph Frank
não sei muito sobre o homem
94 anos
espero que tenha tido
uma vida boa
gostava de lhe ter escrito então
mas quanto a isso
não há nada
que possa fazer agora
para além
deste poema
Nunca serás aquela loira de vestido vermelho a desaparecer na distância
Como uma brisa fresca, apesar dos quase quarenta graus atenienses,
Nunca terás todos os nomes possíveis, nem serás a manic pixie dream girl
Que o tempo desfez, ama-se mais a ilusão que a verdade,
Nunca te vi de vestido sem estares toda cinzenta, uns minutos e depois,
Não tu, um sol impossível nos metálicos invernos nórdicos,
Nunca serás o que te sonhei, mas a culpa dos sonhos é de quem os sonha,
Não de quem com um olhar, planta ilusões, que crescem em vazio,
Maior ainda do que antes da semente, nunca serás aquela loira de vestido vermelho,
Porque os filmes acabam sempre antes do roer das unhas se entranhar nos nervos,
Antes do nome carregar toda a frustração e desprezo que os pós-créditos trazem,
Se se esperar tempo suficiente, nunca serás aquela loira de vestido vermelho,
Mesmo que tenhas sido aquela loira de vestido vermelho, mesmo que isto
Quase seja um poema de amor, que nunca será, porque tudo uma vela curta,
Numa noite de incêndio.
Atenas
09.07.2019
THE TORSO
Most beautiful! the red-flowering eucalyptus,
The madrone, the yew
Is he …
So thou wouldst smile, and take me in thine arms
The sight of London to my exiled eyes
Is a Elysium to a new-come soul
If he be truth
I Would dwell in the illusion of him
His hands unlocking from chambers of my male body
such an idea in man’s image
rising tides that sweep me towards him
…homosexual?
anda t the treasure of his mouth
pour forth my soul
his soul commingling
I thought a Being more than vast, His body leading
into Paradise, his eyes
quickening a fire in me, a trembling
hieroglyph: At the root of the neck
the clavicle, for the neck is the stem of the great artery
upward into his head that is beautiful
At the rise of the pectoral muscles
the nipples, for the breasts are like sleeping fountains
of feeling in man, waiting above the beat of his heart,
shielding the rise and fall of his breath, to be
awakend
At the axis of his mid hriff
the navel, for in the pit of his stomach the chord from
which first he was fed has its temple,
At the root of the groin
the public hair, for the torso is the stem in which the man
flowers forth and leads to the stamen of flesh in which
his seed rises
a wave of need and desire over taking me
cried out my name
(This was long ago. It was another life)
and said,
What do you want of me?
I do not know, I said. I have fallen in love. He
has brough me into heights and dephts my heart
would fear without him. His look
pierces my side . fire eyes .
I have been waiting for you, he said:
I know what you desire
you do not yet know but through me .
And I am with you everywhere. In your falling
I have fallen from a high place. I have raised myself
from darkness in your rising
wherever you are
my hand in your hand seeking the locks, the keys
I am there. Gathering me, you gather
your Self.
From my Other is not a woman but a man
the King upon whose bosom let me lie.
Poema de Robert Duncan 1968
Nota: “Torso”, pintura-colagem do poema de Robert Duncan - ”The Torso”, é um livro de artista. É dedicado ao poeta Ricardo Marques.
Livros, filmes, ideias.